Projetos numa Pedagogia da Consideração

No âmbito do 2º CIANEI - Congresso Internacional de Aprendizagem em Educação de Infância em 2007, a Equipa Pedagógica da De Mãos Dadas escreveu um artigo sobre a forma de trabalhar Projeto, a seguir transcrito:

“Eu não sei, mas vou à sala pesquisar e já te digo”

Educadoras Infância da “De Mãos Dadas”, Associação de Solidariedade Social.

Andreia Xavier
Cristina Alves
Daniela Oliveira
Diana Pacheco
Mariana Oliveira
Patrícia Cambalacho
Estagiárias Finalistas da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti.
Brígida Silva
Patrícia Rebelo
Sílvia Ferraz
Susana Teixeira
Patrícia Branquinho – Coordenação da “De Mãos Dadas”, Associação de Solidariedade Social
Mestre Clara Craveiro – Supervisão da Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti

Este artigo pretende mostrar uma perspetiva de vivência de trabalho de projecto na Instituição De Mãos Dadas.
Construído pela equipe pedagógica, estagiárias e supervisora da ESE De Paula Frassinetti, este trabalho assenta numa pedagogia  da consideração pela criança, onde os projectos ganham vida, porque se valoriza a sua voz, o seu pensamento, os seus saberes e produções”.

Apresentamos em seguida um excerto do artigo.

"O dia-a-dia na “De Mãos dadas” é uma aventura. Porquê uma aventura? “Porque trabalhar com crianças é viver no inesperado” (Hoyuelos, 2007). Nunca sabemos para onde é que estamos a ir, o que interessa é que aprendemos fazendo, explorando, experienciando (aprendizagem activa). As crianças merecem e são tratadas com consideração.
Para nós, pequenos e graúdos, a Metodologia de Trabalho de Projecto é nada mais, nada menos do que uma viagem de barco, que navega em alto mar, mas nunca à deriva. As crianças são os “ navegadores e conquistadores de todos os mares e de todas as terras e de todos os mundos”, explorando intensamente com atitude e espírito de investigadores.Nós adultos chamamos a esta viagem de barco um projecto. Estamos sempre presentes, partilhamos tudo e vivemos em conjunto com as crianças, sempre com entusiasmo, alegria, enfrentando dificuldades, desilusões, partilhando conquistas e vitórias.
Mas afinal como surge um projecto? É óbvio e comum dizer que tudo surge dos interesses e das necessidades das crianças, respeitando o ritmo do grupo e de cada criança individualmente. Mas será que o papel do adulto permite sempre que isto seja concretizável? De facto, ouvir as crianças é tão simples e bonito… porque não experimentar?! Mas será que basta apenas o ouvir?
Ouvir é bom, mas ouvir e valorizar é ainda melhor! Ouvir uma criança é fácil, mas duas, três, vinte, será possível atender a todas e a tudo o que elas dizem? O que deve o adulto valorizar? Será que o importante é a quantidade de informação, que tão útil dizem ser, numa vida académica? Nós acreditamos que o educador não deve estar preocupado em transmitir conteúdos.“Devemos [adultos] ser capazes de pegar a bola que ela [criança] nos lança e jogá-la de volta, de modo a fazer com que deseje continuar a jogar connosco, desenvolvendo talvez outros jogos enquanto vamos em frente” (Edwards, 1999, p.161)
Um simples comentário da criança, um desenho, uma brincadeira... tudo é valorizado pelo adulto, dando origem a um mundo de descobertas. Tudo se transmite por uma multiplicidade de linguagens, formas de expressão e comunicação, sentimentos, vivências, acontecimentos... tudo o que marca a realidade da criança, ou seja, o seu meio próximo.

A criança tem que fazer com a cabeça, pensar com as mãos, escutar e falar, compreender com alegrias, amar e maravilhar-se (Malaguzzi, 1999,p.V) não só na Páscoa, no Natal, no dia da mãe ou do pai, mas sim em todos os 365 dias por ano, 31 dias por mês, 7 dias por semana, 24h por dia em todos os minutos e segundos da sua vida.
As crianças deparam-se com um vasto conflito de ideias, confrontando-as de acordo com os conhecimentos que têm sobre o assunto, surgindo novas descobertas e hipóteses alimentadas pelo educador. Permite assim à criança verificar as hipóteses, despertando novos conflitos de ideias e conhecimentos significativos.
Ao trabalhar projecto nesta dinâmica, possibilitamos à criança uma aprendizagem cooperativa. A criança começa a ter noção do outro enquanto possibilitador de oportunidades. Queremos com isto dizer, que a criança começa a adquirir a consciência de que o outro pode ajudar, enriquecer, motivar e juntos conseguem ir para além do que esperavam.

A criança é competente e autónoma para planear/fazer/rever, planificar/trabalhar/relembrar, não da forma como o adulto quer, mas como esta consegue e acredita.
Por exemplo, o esboço é uma forma de estruturação das suas representações mentais, este permite que a criança se envolva, dedique, motive, assuma o compromisso que ela própria estabelece, de acordo com as suas capacidades.
Ao elaborar o esboço, a criança faz escolhas. Escolhe como quer fazer, que materiais vai utilizar, com que cores vai pintar, a forma que vai dar. O esboço permite à criança elaborar um trabalho, que vá de encontro tanto quanto possível ao que esta deseja. Deve sentir que o seu trabalho foi de encontro ao que tinha planificado.
O resultado final só consegue ser o esperado, se todo o processo envolvente tiver significado para a criança. A criança deve ser activa no processo, deve fazer escolhas, ter dúvidas, investigar...

Mas acima de tudo, a criança deve “ amar” o seu trabalho, fazê-lo com carinho, com prazer, com empenho. Isso só acontece quando a criança é livre para escolher.
A criança sente-se valorizada e toma plena consciência das suas inúmeras competências quando vê o seu trabalho documentado ( Oliveira-Formosinho e Azevedo, 2002). Se a criança tem múltiplas formas de linguagens gráficas, a expressão e comunicação das mesmas são expostas e valorizadas também de diversas formas.
Esta documentação permite à criança rever todo o processo experienciado e, desta forma, avaliar e reformular as ideias, sentimentos, conhecimentos prévios. A documentação é muito mais do que expor os trabalhos das crianças, é também uma forma de arte usada como uma ferramenta para o pensamento das mesmas.
A equipa considera que toda a documentação e divulgação dos projectos é uma constante ao longo de toda a viagem.
Este ano lectivo dinamizámos o VDM - “Vem Descobrir o meu Mundo”, que oferece aos pais e familiares a oportunidade de virem frequentemente à instituição conhecer a realidade de cada sala, incluindo os projectos.

Porém, para que a divulgação seja feita de uma forma mais alargada e abrangente, realizámos ainda uma exposição que ofereceu às crianças, pais, famílias e comunidade envolvente a possibilidade de conhecer todos os projectos vivenciados em todas as salas.
Esta viagem não se prende a roteiros pré definidos... mas sim, uma constante descoberta. Esta história nunca poderia ser contada de uma forma tradicional, com um princípio, meio e um fim...
Segue-se um exemplo para perceber como é que individualmente ou em pequenos grupos os projectos podem surgir e desenrolar, temas tão diferentes de sala para sala, de criança para criança, em contextos distintos.

Na sala dos 3 anos foi assim que tudo começou...ouvindo e valorizando as crianças...

Mais um dia começa, fazemos o acolhimento, preenche-se o calendário.
Como está o tempo hoje? “Está a chover...” Surge o diálogo: “A chuva é amarela.”; “ A chuva é preta.”; “ A chuva é branca.”; “ A chuva é chuva.”...
Então foi pertinente dialogar em pequeno grupo a questão que surgiria - “ Qual a cor da chuva?” e novas opiniões surgiram, por isso mesmo fomos registar através da pintura.
Após o registo e partilha, fomos investigar através de uma experiência sugerida por elas: “Enchemos garrafas de plástico, tachos e copos da casinha, uma bacia de cores diferentes.”
Após a observação registaram as amostras recolhidas, e novas opiniões surgiram: “ A chuva é amarela.”; “ A chuva é azul”; “ A chuva é branca.” As cores que as crianças disseram iam de encontro às cores dos recipientes escolhidos: “ Este copo azul tem água azul.”
Assim, sem uma resposta, continuamos com outras experiências. Pintámos folhas brancas com água da chuva e tintas de várias cores e vimos o que aconteceu!: “Não pinta”, “Não dá”, “A chuva molha”, Fica molhado, não pinta”
Foi assim que descobrimos que a chuva não tem cor, é incolor.

Assim pensamos que…

“É verdade que não temos planejamento ou currículo. Não é verdade que nos baseamos na improvisação, que é uma habilidade invejável. Não confiamos no acaso, também, porque estamos convencidos de que aquilo que ainda não conhecemos pode até certo ponto ser previsto. O que sabemos realmente é que estar com crianças é trabalhar menos com certezas e mais com incertezas e inovações.” (Malaguzzi,1991,p.101).

“A Instituição acredita no que faz e aposta na homologia dos Processos de Aprendizagem”

Tudo começou quando…
Tudo é possível porque.."